- Adoro essa música... – Ela comentou, se levantando da cadeira. – Vamos dançar?
Por um momento, hesitei. Se havia algo que eu definitivamente não sabia fazer era aquilo. Todos aqueles passos, todo aquele corpo... Preferia usar isso em outra coisa e que não tinha muito a ver com bailar. Mas o fato daquela ser a mulher mais bonita que eu já vi na minha vida obrigou-me a segui-la até a pista de dança, bem no centro do Casadei’s, onde, vergonhosamente, confessei a minha falta de habilidade. Ela só sorriu pra mim e nós começamos a envergonhar.
Ela devia estar bêbada se não o estivesse. Apesar de eu parecer um espantalho nas suas primeiras lições de humanidade depois de uma repentina chamada à vida, ela se mantinha inerte na música, me chacoalhando para todo quanto é canto e convidando-me a fazer o mesmo. Suava frio, mas me sentia bem apesar da vergonha. Sua mão era delicada, assim como os pés, que batiam no chão acompanhados de um par de scarpans pretos que quase me perfuraram duas vezes.
De repente, ela fez o que mais me amedrontava a cabeça. Como a música começava a ficar mais acelerada, como um coração em época de entusiasmo, ela puxou-me para mais perto. Eu senti o seu hálito e não pude fazer outra coisa senão colocar minha mão esquerda em seu sensual quadril, erguer minha direita com a dela e começar um movimento frenético, com passos circulares, que nem eu mesmo entendi.
Nossas faces de entrecruzaram, de um lado para o outro, e gargalhávamos com uma força que chamou a atenção de todos. A loucura espontânea que tomou conta de nós fez-nos cair num transe coletivo, que foi festejado por todos a nossa volta, que nos abriu todo o espaço para nos amarmos na música. Estrondoso foi o momento seguido com o fim dela, quando todos aplaudiram energicamente e deixamo-nos levar pelo beijo que se seguiu.
Pode parecer estranho eu dizer isso, mas foi fascinante. Nunca senti lábios tão sedutores colados aos meus e nem movimentos tão suaves que provocassem em meu estômago a vontade de querer sentir a mesma sensação. Fiquei tão preso a isso que não percebi que, ainda de olhos fechados, ela saiu pela porta do restaurante, olhando para mim, sorridente.
No caminho de volta para casa, Abel, que, assim como todos os que estavam no restaurante, viu toda a dança, comentou:
- Foi ridículo! – E riu, como se aquela fosse a última coisa que faria no mundo. – Pareciam dois pombos acasalando!
Eu não liguei para o que ele disse. Comecei a ficar muito perturbado para isso. Não por causa da dança ou por ela ter sido observada por tantas pessoas, não. Era porquê, terminada a noite, eu ainda não sabia o nome daquela visão.
Surpreendente foi quando, ao tirar o meu casaco, eu vi cair dele uma pena de pomba, a mais alva possível, e um bilhete onde eu pude ler:
“Uma vez por ano é permitido aos columbídeos dançar e enlouquecer os homens por alguns instantes”
Até hoje tenho esse pedaço de papel rabiscado e a pena dentro de um baú, para onde olho em busca de alguma resposta mais consistente. Quando, passando pela praça no caminho para o meu trabalho, espanto uma revoada de pombos, penso na criatura mais maravilhosa com quem dancei certa vez e minha cabeça gira com a possibilidade de não poder vê-la novamente.
O seu texto é de uma riqueza de detalhes rara.
ResponderExcluiressa riqueza me fez sentir o seu texto, acredite...poucas vezes senti isso.
Continue escrevendo com a alma e você vai longe.
de uma passada no meu blog:
www.loucurasdaimaginacao.blogspot.com
(Um blog pra gente louca).