quinta-feira, 19 de março de 2009

O Quarto Submarino

Fechei os olhos.

Entretanto, continuei olhando o teto cheio de estrelinhas fosforescentes.

Apesar de serem bichos do céu, formavam o que mais parecia o mar e suas ondas.

Elas se ergueram para cima de mim e, de uma vez só, me precipitaram.

Eu não soube o que fazer de início, porque tudo o que conseguia ver era a água salgada tomando conta de tudo, levando os meus livros de um lado para o outro.

Gigante, meu preá, estava no meio da bagunça inundada, com os dentes estranhamente para fora em meio a sua cara gorda, como se estivesse dando um sorriso.

- O Mary don’t you weep... – Ele cantou. - ...don’t mourn!

E enquanto ia seguindo a música, meu saxofone saiu inexplicavelmente de dentro da caixa atrás do guarda-roupa e, mesmo debaixo d’água e rodeado pelas bolhas que se formavam, começou a tocar uma melodia alegre.

- Pharoah’s army got drownded... – Continuou o roedor, tomando uma minúscula que passou sobre sua cabeça e colando-a na cabeça. - ...O Mary don’t weep!

Resolvi sair da cama, porque algo nela começava a se agitar. Já de perto do preá, observei que era o próprio leito que, usando-se dos lençóis, fez um vestido e começou a dançar e a acompanhar, com sua voz melodiosa de dríada de jequitibá, a música do gigante.

Depois de tantos minutos, comecei a sentir uma estranha alegria dentro de mim e as pernas começaram a se agitar numa dança desconhecida.

Como se estivesse voando, fui para lá e para cá. Percebi que estava nadando, o mais livre possível. A felicidade só cresceu com aquele sentimento de liberdade.

E a festa em meu quarto submarino só foi aumentando. O abajur sobre o criado-mudo despertou de uma só vez e, piscando qual louco, exultou. As coisas escondidas no fundo dos meus bolsos nas roupas espalhadas por todos os cantos também se juntaram àquilo.

Era até engraçado ver os clipes se juntarem numa roda para cantarem aquela música. Também a maçaneta se despregou da porta e veio para junto de nós, rodopiando. O mesmo com todos os meus carrinhos, que usavam a água como se fosse um autorama.

Até mesmo as bonecas que minha irmã tinha esquecido no dia anterior lá no canto e se levantaram, brejeiras, para, com suas pequenas mãos, fazer o compasso da música.

De repente, a música foi ficando mais devagar, mais devagar, e o preá cantou alto...

- God saves Moses the rainbow sign... – E ergueu os olhos para o teto, arrancando de lá uma última estrela que teimava ficar grudada. - ...no more water, but fire next time!

E quanto todos começaram a cantar o refrão da canção, com seu vestindo desmanchando-se novamente em lençóis, a cama me agarrou...

- O Mary don’t weep... – Escutei todos cantando...

- ...don’t mourn! – Continuou o preá...

Cantaram mais uma vez e quando eu já estava com a cabeça involuntariamente repousada sobre o travesseiro, voltei a reparar no teto. Todos os astros tinham se reagrupado por lá, menos aquele que o rato continuava a manter na mão.

Quando a música terminou, ela brilhou tão ou mais forte que o sol e, atordoado, ouvi um barulhinho agudo e uma voz vindo mais ao fundo.

Era o despertador e minha tia chamando-me para o café.


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